domingo, 29 de março de 2020

Fui ao banheiro, lavei o rosto, e inúmeras palavras caíram dos meus olhos, eu não sabia o que fazer. Escreva um livro, escreva um livro... A voz dizia tênue e prateada. Eu apenas sorria com uma expressão muito difícil de se decifrar. Talvez eu devesse, mas só faria se fosse para esquecer tudo o que sinto a respeito das coisas, no entanto, escrever só faz com que elas ganhem vida, sobrevivam, e transgridam as barreiras do espaço e do tempo. Peguei a toalha de rosto para limpar aquele excesso de palavras, mas nela estava escrito: quer dizer então que você é covarde? Recusei-me a enxugar as palavras, eu só queria lavar a droga do meu rosto em um banheiro normal, onde as coisas não deixassem uma mensagem a mim. E eu não sou covarde, eu só não sei... Espiei o interior do banheiro e abracei a ideia de banhar-me, então me despi, porém, antes de girar a engrenagem do chuveiro, resolvi ler o que tinha grafado, bem ao centro, junto com a logo da marca, e lá estava registrado em letras miúdas: você não confia em si, não é mesmo? Girei a engrenagem violentamente e deixei a água cair, ela viajou entre meus cabelos, pescoço, seio, barriga e foi desaguando em algum mar... Ufa! Eu estava em paz debaixo d'água, aqui é puro, é cristalino, não há mensagem, não há código morse para eu decodificar. Então pensei, se não olhar, não haverá mensagem... Com os olhos cerrados resolvi apalpar a cantoneira para pegar o shampoo, alcancei-o, abri o frasco, e o cheiro que surgiu da tampa foi caloroso e preciso em dizer: você não tem muitas opções!. A curiosidade matou o cego a ouvir, não é só através das palavras que há de haver comunicação, eu sou patética mesmo! Lavei os cabelos fatigada com um nó na garganta, eu não vou chorar, não irei entregar-me, contudo não resisti, e vários verbos e substantivos iam caindo dos meus olhos, inundando todo o banheiro em poesia. Ainda em soluços, com o banho incompleto, peguei a toalha vagarosamente, e depois de enrolar-me e abraça-la por completo, vi bordado em sua barra, com uma letra suave e graúda: ou você escreve ou morre.

- Roberta Laíne. 

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