quarta-feira, 22 de agosto de 2018

O causo do meu eu perdido

Houve um dia em que eu me perdi de mim mesma, mesmo estando em meu quarto. Foi estranho, eu estava ali, parada, deitada em minha cama, quando dei por meu sumiço. Eu realmente não sabia dizer onde o meu outro eu estava, fiquei horas, dias e semanas a fio procurando-me incansavelmente. 
Achei um absurdo de minha parte, perder-me de mim, o auge do descuido!
O fato é que, eu não sabia, mas precisava, mesmo que vez ou outra, reparar-me. 
Então comecei uma busca incessante por mim, rememorei meus últimos passos, elenquei minhas últimas atitudes, e repensei meus milhares de últimos pensamentos. No entanto... Nada! Eu não achei nenhum rastro de mim... Onde diabos eu havia me metido? Onde será que eu estava? Por que eu não fazia ideia do meu paradeiro?
Passaram-se meses, e minha busca continuava irresoluta. 
Sentada em minha cama, comecei a folhear (sem muito ânimo) um livro que acabara de retirar das entranhas de minha velha cômoda, não sei como ele foi parar ali, não lembro de tê-lo deixado cair, no entanto, tampouco importa-me, estava irritada, pois começava a espirrar, o livro estava coberto de poeira, então comecei a sacudi-lo e a driblar algumas teias de aranha; o cheiro de passado banhou o meu quarto, quando, de repente, topei em uma velha passagem de ônibus, era de um trajeto que eu sempre fazia, o bilhete estava sendo utilizado como marcador. Página 98, havia um soneto e, no verso, uma anotação que dizia: 
“A dor se consolida lentamente nos olhos de um poeta, e, cai, por meio de lágrimas”. 
Parei, e fiquei martelando de onde eu havia retirado aquela frase, afinal, reconheci que a letra era minha. 
Nesse momento, uma onda quente e alaranjada de pensamentos rodearam meu corpo, senti uma leve ânsia de vomitar, passei a mão sobre um acúmulo de suor que se formava em minha testa, pisei com as mãos naquelas gotas de sal que saíam... 
Achei! Ou melhor, me achei! Eu estava ali, eu acabara de me reencontrar, aquelas palavras eram minhas, ou melhor, aquelas palavras era eu!          
Rapidamente retirei-me daquele livro e sorri dizendo: que esperteza minha! Eu havia me escondido ali, havia me abrigado no verso de uma folha... saí de um corpo deteriorado para fazer morada em um livro esquecido de baixo de minha velha cômoda... 
Limpei meu suor na blusa e refleti... No final das contas, perder-me não fora de todo ruim, passar um tempo sem mim foi importante para procurar-me, do contrário, eu jamais teria ido atrás de mim, jamais saberia o quanto eu fazia falta para mim mesma!
Apaguei a luz, deitei em minha cama, e abracei-me bem forte; sonhei que estava em uma praça, lendo esta história para um pequeno aglomerado de pessoas, as quais sonhavam com a lua, astros, estrelas e poesia...


Roberta Laíne.

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