sexta-feira, 19 de junho de 2020

O dia em que a terra parou, o livro, peteca, memória.

Estava conversando com um amigo sobre filmes e  ao dizer que os assistia desde a época do VSH, lembrei-me da minha escola favorita, na qual fiz da primeira à quarta série. Eu gostava de tudo lá, do prédio que era altos e baixos, do qual além de exibir-me e achar aquilo magnífico, também distorcia-o na minha mente, considerando-o o prédio mais alto da cidade, imaginando-o ser de uma altura muito maior do que ele realmente era, por isso dava-me medo de olhar pela janela, pois eu conseguia aumentar sua altura ainda mais, com o poder da minha mente e dos meus olhos gigantes... Gostava de chegar na escola e ter de se enfileirar para rezar alguns salmos e cantar cantigas religiosas, gostava de subir as escadas e ficar cansada, mas sentindo-me vitoriosa. Gostava de, na hora do recreio, abrir minha lancheira e vê que mamãe havia colocado o meu refrigerante favorito, na época, fanta laranja. Agora escrevendo consigo sentir o cheiro, o gosto, a textura de tudo isso, meu Deus, como era bom, como era bom! E foi absorta nessas memórias que lembrei-me de um dia atípico, do qual intitulei "o dia em que a terra parou", mas para narra-lo você precisa saber de um fato peculiar... Talvez eu fosse a única criança que amava a diretora da escola e não sentia medo dela, mas nunca soube o porquê, e, até hoje sei seu nome completo, Carmélia Martins dos Santos, uma senhora de cabelos bem penteados, evangélica, e de uma postura séria, mas que uma vez, ao olhar para mim, e sentir que eu gostava muito dela, falou comigo e perguntou-me: "Você gosta de livros?" respondi que sim, então ela assentiu com a cabeça, pegou um molho de chaves e disse: "vou te dar um presente, acompanha-me." E foi aí que eu entrei no paraíso, era o depósito onde guardavam todos os livros didáticos da escola, que chegavam para a distribuição aos alunos, o lugar era rodeado de pilhas e mais pilhas de livros, eu simplesmente fiquei fascinada, meus olhos grandes rodavam junto comigo em 360 graus para tentar visualizar todo o lugar, senti que uma luz me iluminava naquele momento, e que estava diante da fração de segundos feliz que não conseguimos prolongar por muito tempo, eu estava ecstasiada e então a diretora disse: "Escolhe um livro, o que você quiser, será seu, mas não conta para nenhum aluno." Eu dei uma leve olhada no lugar e fiquei um pouco confusa, eu era muito peteca na época, só meus olhos eram grandes, mas minhas mãos eram muito pequenas e meu corpo muito franzino, mas não podia sucumbir ao medo das pilhas, e em uma caçada miuda eu vi um livro que tinha uma capa meio roxa, cor de açaí, alguns desenhos e o nome "viva a vida", eu já sabia ler, fui a primeira da turma a aprender e aquela cor roxa com o título me chamaram muita atenção, "é esse diretora." "Tem certeza?". "Sim, tenho certeza." Peguei o livro e choquei-o ao meu peito, abracei-o como se fosse um grande prêmio, e algo demasiadamente raro. A diretora sorriu para mim e eu subi o lance miudo de escadas para retornar até minha sala, cheguei sorrateira, guardei-o como o bem mais precioso que alguém poderia ter, e passei o restante da aula ansiosa, contando as horas para chegar em casa e abrir minha mochila, correr para o quarto e folhear o meu grande prêmio, e assim o fiz. Passava horas folheando o livro, lendo suas histórias e narrando para todo mundo daqui de casa o feito, e o quão aquele era o meu livro favorito. Todos sabiam o cuidado extremo que eu tinha com o meu livro da capa roxa,  todos sabiam o quão aquele livro era tudo pra mim, e hoje eu recordo da escola, do depósito, da diretora, do livro e desse dia como um feche de luz, como aqueles segundos que não conseguimos segurar por muito tempo, pois são os mais importantes e felizes de nossa vida.

Escola: Pastor Ananias Rodrigues.
Aluna: Roberta Laíne Costa Bahia.


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