Há
algumas semanas atrás, em um passeio que fazíamos, as meninas dialogavam sobre
quem faria um texto para ler no dia de hoje, para que ele ganhasse vida no aqui
e agora, e pudesse fazer uma espécie de apresentação do que estamos vivenciando
nesse exato momento. Apontaram para mim, e por isso agora estou aqui dando vida
a ele. No decorrer da semana me pegava pensando em como iria começá-lo e sempre
me vinha à mente a mesma frase: não era pra eu ter deixado as meninas me
escolherem! (risos). Foi aí que resolvi mergulhar na poesia da nossa autora do
mês e vê se encontrava alguma pista, palavra ou luz que despertasse em mim uma
espécie de início, para abrir essa tarde tão importante para nós. Quanto mais
eu mergulhava em sua poesia, mais encontrava a mim mesma, numa espécie de
autoconhecimento, e sempre acabava desaguando na frase “Ay Kakyri Tama” em
tupi-guarani que deu origem ao nome de seu livro. Foi aí que descobri que a
melhor maneira de apresentar o que vivenciaremos hoje, é falar de um nome que
nunca mais esqueci, Márcia Wayna Kambeba. Uma multi artista, que assim como
seus outros parentes, nasceu de uma gota d’água que topou numa folha de
samaumeira, chegou ao igarapé e deu origem aos homens e mulheres do povo Omágua/Kambeba.
Além de poeta, compositora, fotógrafa, ativista e mestra em geografia, e de
presentear tanto o Brasil como vários países da América Latina, aos quais
pisou, levando a importância da cultura e identidade indígena, Márcia consegue em
seus singelos poemas viver, permanecer, e dá-nos esperança! A poesia de Márcia
é um grito silencioso em prol da vida, é a prova mais palpável de que somos reais,
e de que May-tini (homem branco) nunca terá armas suficientes para dizimar as
marcas, os traços, as idiossincrasias dos verdadeiros donos do nosso país.
A
tarde de hoje é mais que um encontro do Leia, é um presente dos nossos
ancestrais que, estão nos entregando a dádiva de ver, ouvir, ler, e sentir a
poesia de Márcia. A combinação do Leia Mulheres Capanema, mais a potência
artística de Kambeba, é a fixação no cume da sociedade, da bandeira do
feminismo, da minoria, das lutas de classe, da sobrevivência, do lugar de fala,
da manutenção da nossa identidade e da voz, o poder da voz, o poder das
palavras, o quão a poesia pode chegar a lugares jamais imagináveis, dos mais íngremes
e esquecidos aos mais prestigiados, a poesia que atinge, que liberta, que te
faz rir e chorar, e a cima de qualquer coisa que nos comove criticamente, de
forma visceral, a todos. Márcia, muito obrigada por morar na cidade, sem perder
seu ser indígena, sem perder sua identidade, obrigada por sobreviver, e fazer com
que, através de sua poesia, eu me lembrasse de quem sou, a que lugar realmente
pertenço, do mergulho profundo no rio da ancestralidade, da espiritualidade, do
meu verdadeiro eu, no rio do que é real e pulsa no meu sangue. Obrigada por sua
poesia ser a prova mais concreta de que existo como mulher, e resisto como poesia.
Roberta Laíne.
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