Hoje, no dia em que
redijo essa carta, são 22 de agosto de 2019, já está no cair da noite, mas
resolvi sentar e escrever um pouco do que tenho aqui dentro, é arriscado eu
sei, esse movimento de dentro para fora, às vezes me é arriscado, mas eu
precisava arriscar e dizer o que estou sentindo. Provavelmente, quando esse
texto criar vida, que será o momento em que eu o compartilharei com vocês, irei
tirá-lo de dentro da minha mochila, dizendo palavras como “Eu escrevi uma carta
a vocês” e minhas mãos estarão agarradas
a ela, como quem abraça e diz: é singelo, é simples, mas é para vocês,
foi eu quem fiz, com alma e coração. Esse texto entrará em vocês dizendo: “Hoje
é o aniversário de um ano do Leia Mulheres Capanema, e é por isso que essas palavras
existem”, e é assim, é dessa maneira, como muitas coisas em nossas vidas, as
quais existem para entranhar em nós, e ficar tempo suficiente para dizermos: “É
para sempre” e é assim que o Leia é, foi e será, será para sempre, da maneira
mais romântica e melosa, e, talvez dramática, que você possa imaginar. É para
sempre, pois teve um início, como a maioria tímido, querendo aceitação,
precisando de atenção e espaço, as quais foram dados no dia 25 de agosto de
2018, quando saímos de casa para nos encontrarmos na praça Magalhães Barata e
dialogar na nossa primeira roda, sobre o livro “Sejamos todos feministas” de
Chimamanda Ngozi. Saímos da praça cheios e cheias de sonhos, de material
documentada por meio de fotografias e palavras, tantas palavras, nos abraçamos,
sorrimos, depois choramos, e ficamos nessa troca de sentimentos por meio das
palavras, soltas ou embargadas, era tudo o que tínhamos e temos, palavras. No
mês seguinte, eu não pude participar do encontro, mas disseram-me que a leitura
de setembro, como o próprio nome do livro sinaliza, encheu o Leia de lágrimas,
com “Olhos d’água” de Conceição Evaristo. Depois disso, em outubro, fomos até o
jardim da Igreja Matriz e, numa grande roda, nos surpreendemos com Rupi Kaur,
em “Outro jeitos de usar a boca”. Rupi conseguiu com poucas palavras incitar
inúmeras em nós, se pudéssemos até hoje estaríamos nos reunindo para falar do
eco desse livro. Mas novembro chegou, e fomos direto para o oriente médio, foi
para aonde nos levou o HQ de Marjane Satrapi, “Persépolis”, ok, preciso parar a
fluidez do texto só para dizer que esse é o meu livro favorito, sem risos. Em
dezembro, quando o calendário Maia apontava para o desfecho do ano de 2018, o
ano do Leia foi finalizado com “Quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus,
nesse encontro eu não pude ir, mas o que eu ouvi e li sobre Maria de Jesus
deu-me uma vontade profunda de estar, permanecer, ir, para aonde quer que eu
esteja imaginando, dizendo ou sonhando. Chegamos em 2019, a leitura de janeiro ficou
por conta de Heloísa Lara Campos da Costa, com “As mulheres e o poder na
Amazônia”, eu nunca tinha entrado, em minha mísera existência, em um terreno
tão fértil, tão precursor, tão denso e importantíssimo, asseguro, sem medo que,
fora um dos livros que mais me trouxe conhecimento, conhecimento bruto e que,
até hoje, estou lapidando. Fevereiro foi um mês, absurdamente especial, pois
entramos no universo distópico de uma autora que, às vezes, duvido que seja de
fato real tamanha sua grandiosidade, falo de Margaret Atwood, com “O conto da
aia”, aqui, preciso parar o texto novamente e dizer, esse sim, foi o meu livro
favorito, e agora você pode rir, pois eu perdi toda credibilidade dada minha
oscilação em qual livro leva o título. Março foi a vez de “Mulheres que correm
com os lobos” de Clarissa Pinkola, foi o primeiro mês que fui ao Leia sem ter
lido a obra, a priori eu não queria ir, hoje agradeço ao universo por ter ido,
tudo o que escutei e que a obra ecoou em mim, a partir da fala das meninas,
ainda está em perfeita excitação, ainda posso sentir as palavras, a coisa toda
que envolveu. Em abril conhecemos “O que é lugar de fala?” de Djamila Ribeiro, mais
uma vez topei em uma porrada de conhecimento, e mesmo com bastante teoria, foi
um dos livros que mais me fez humana, um pouco mais humana, demasiada humana,
eu nem consigo pôr em palavras o quanto. Em maio colocamos na baila “Um útero é
do tamanho de um punho” de Angélica Freitas, um dos livros mais engraçados,
modernista, descontraído e genial, pondo-nos a pensar e repensar assuntos tabus
antiquíssimos, com uma roupagem nova, uma linguagem contemporânea. Junho foi um
mês que sinalizo como especial, pois foi de “Presos que menstruam” de Nana
Queiroz, parando o texto só mais essa vez para dizer que esse sim, é o meu
livro favorito! Eu devorei-o, sorri, chorei, fiquei inquieta, amargurada,
feliz, deprimida, enfim, foi uma mistura de muitos sentimentos, toda vez que me
lembro de “Presos que menstruam” agradeço ao universo por ter conhecido a obra,
pela sorte de ler e poder compartilhá-la com pessoas incríveis. Estamos em
julho, o livro é “Eu sou Malala” de Malala Yousafzai, e eu não sei muito bem o
que falar, então prefiro dizer: obrigada, Malala. Bem, espero que você não
esteja casada por estar lendo essa carta, já me aproximo do final, o mês é
hoje, é esse, é o agora, é tudo o que temos nesse instante, o mês somos nós,
aqui, em círculo nesse um ano, com “E se eu fosse pura” de Amara Moira, e a
única coisa que me vem à cabeça, para encerrar esse texto, é dizer com muita
certeza que nós do Leia também somos trans, todas aqui são trans, porque
TRANSgredimos, TRANSmutamos, TRANSformamos. Somos trans porque temos a audácia
de ler todo mês uma mulher diferente, o Leia é trans, porque TRANSborda. Feliz
nós, feliz 1 ano de Leia Mulheres Capanema...
Disse a
mediadora Roberta Laíne.